Sou pai, estou envelhecendo e, diante disso, já penso em adiantar a herança aos meus filhos. É possível?

Você se preocupa com os filhos e por isso, já quer adiantar a herança de cada um, agindo de forma a prevenir eventuais desavenças em torno do inventário e partilha após o seu falecimento, não é mesmo? Acompanhe comigo a resposta!

Olá. Tudo bem?


Vamos sanar suas dúvidas.


Você é pai, de idade mais avançada e, por preocupar-se com a manutenção dos filhos, já quer partilhar tudo o que possui, não é mesmo?


A princípio, não é possível fazer a partilha de bens de alguém vivo, porque a lei civil não permite.


Por exemplo. Eu tenho irmãos. Não posso meu pai ainda estando vivo, fazer um contrato com meus irmãos para já definir como ficarão divididos os bens do meu pai. Esse contrato, mesmo que informal, de divisão de herança de pessoa viva, é proibida na lei civil brasileira.


Por isso é que, inicialmente, só existe partilha de bens de alguém que infelizmente faleceu.


Isso porque, só há duas formas pelas quais, por lei, se herda alguma coisa: por testamento ou, ou pelo que a lei chama de sucessão legítima, quando então detemos parentesco com o de cujus, ou seja, com o falecido, fato que nos alça à condição de herdeiros.


Mas, como tudo na vida existe uma exceção, é sim possível fazer a partilha de bens em vida!


Possibilidade essa que, antes de ser detalhada, deve primeiro, contar com explicações preliminares.


Essas explicações preliminares se resumem ao fato de que, primeiramente, por lei, quando o pai, ainda vivo, ou então já falecido – a quem chamamos de de cujus -, possui herdeiros como cônjuge, filhos, ou mesmo, pais vivos, daí então, temos a situação em que cônjuge, pais vivos e filhos são os chamados HERDEIROS NECESSÁRIOS.


E, por lei, os HERDEIROS NECESSÁRIOS possuem direito à famosa LEGÍTIMA.


Por sua vez, LEGÍTIMA é o nome dado à METADE do patrimônio líquido de alguém.


Para o nosso exemplo, é a metade do patrimônio líquido que possui o pai.


Se o de cujus possui herdeiros necessários - que são os descendentes (filhos), ascendentes (pais) e cônjuge -, a estes herdeiros deve então e sempre, ser reservada a LEGÍTIMA.


Por isso é que, por exemplo, na existência de HERDEIROS NECESSÁRIOS, tanto o TESTAMENTO, quanto a DOAÇÃO de patrimônio, só pode abranger a apenas a metade do patrimônio que o doador ou testador possui.


Assim, as explicações preliminares em relação aos HERDEIROS NECESSÁRIOS e no tocante à LEGÍTIMA, você irá entender, são importantes porque há sim uma EXCEÇÃO pela qual se julga válida a partilha feita pelo ascendente (pai), por ato entre vivos ou de última vontade (através de testamento), aos filhos.


Podemos dizer que é sim possível realizar a PARTILHA EM VIDA, mas desde que esse ato de partilha – que na realidade e na prática, se trata de uma doação e de um adiantamento de herança -, NÃO prejudique a legítima dos herdeiros necessários, conforme se tem na lei civil.


Em outras palavras, essa partilha em vida pode ser realizada pelo pai aos filhos através de testamento ou doação.


Mas, no caso do pai, como é o nosso exemplo, tal só poderá ser feita desde que a partilha em vida, ou melhor, a doação caracterizada pelo adiantamento de herança, ultrapasse a METADE da legítima.


Assim, e em resumo, apesar de não ser de todo aconselhável, o pai já pode dividir com os filhos os bens que possui. Contudo, só poderá fazê-lo de apenas METADE do patrimônio que possui.


Isso em razão do fato de que, invariavelmente, o pai precisa manter a outra metade de seu patrimônio intocável. Mesmo que a outra metade também seja de direito aos herdeiros necessários.


Hoje, digamos, por exemplo, que o pai fará a partilha de bens em vida, possuindo dois filhos adultos.


Mas, e se por um acaso, após a partilha, tiver um outro filho? Ou se resolver adotar? Ou, se for demandado, por exemplo, em ação judicial de investigação de paternidade e, por prova hemtalógica vulgo DNA, ficar reconhecida a existência de outro filho? O que esse outro filho terá a herdar?


Daí então a explicação.


No mais, se o pai pretende fazer a partilha em vida de seus bens, é preciso observar o tal coisa respeite a três princípios, qual seja, o de que:


i) exista a máxima igualdade possível entre os herdeiros;


ii) haja a prevenção de litígios futuros, e isso de maneira a que se evite o estado de comunhão dos irmãos, por exemplo, em relação ao mesmo bem, preferindo o pai que a partilha seja de objetos, ou mesmo de imóveis, que sejam distintos para cada irmão;


iii) se atenda à comodidade dos herdeiros, do cônjuge ou do companheiro, contemplados, e isso de forma que se um deles, por exemplo, mora em determinado imóvel, que então receba com quinhão hereditário e doação, a mesma metade do imóvel que possui;


iv) evite partilhar bens insuscetíveis de divisão cômoda,, porque em se tratando de bem que não se pode dividir, precisará ele ser vendido, caso em que o processo de venda nem sempre é dos mais pacíficos, em razão das discordâncias do valor de venda.


Precisa de escritura pública e registro em matrícula do imóvel?


Sim, a meu ver, precisa. É mais seguro. Para que tenha mais segurança e eficácia, eu pessoalmente recomendo que essa partilha em vida, e que na prática, é uma doação, seja feita através de ESCRITURA PÚBLICA, que pode ser lavrada em qualquer Cartório de Notas do país.


Outro detalhe para o qual chamo atenção é que se se tratar, por exemplo, de doação de bens imóveis, o ideal é que se noticie tal coisa ao Cartório de Registro de Imóveis onde o imóvel tem matrícula aberta.


E como se faz isso?


Isso se faz através de AVERBAÇÃO, situação em que ou o pai, ou os filhos, munidos da escritura pública de partilha em vida, devem se dirigir ao Cartório de Registro de Imóveis para fazer averbar o fato, que está devidamente transcrito na escritura pública.


E quando o pai falecer? Como fica a outra metade que não é do filho? Precisa de Inventário e Partilha?


Pois é.


Com o falecimento do pai que fez a herança em vida aos filhos, será preciso sim fazer o inventário e partilha do pai, que agora é falecido e, como chamamos em direito, tornou-se o de cujus.


Uma vez que, como já foi dito, só há duas formas pelas quais, por lei, se herda alguma coisa: por testamento ou, ou pelo que a lei chama de sucessão legítima.


E, para o caso em questão, quando o pai falece, os filhos, enquanto herdeiros e detentores do direito em relação à LEGÍTIMA, para que a sucessão de fato seja efetivada, precisam concretizá-la, o que só se dá quanto se realiza o Inventário e Partilha do de cujus.


E se a partilha em vida feita pelo pai aos filhos contemplou um em maior valor do que ao outro?


Bem. Já falamos que a partilha em vida na realidade trata-se de uma doação, doação a que a lei chama de doação COLACIONÁVEL.


Melhor dizendo, e sendo ainda mais claro, essa doação se trata de um ADIATAMENTO de herança, ou, melhor dizendo, um ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA.


Na forma do art. 544 do CC/02, a doação de ascendente a descendente importa sempre em um adiantamento do que cabe ao descendente por herança.


Assim, se a partilha dos bens em vida, realizadas pelo pai aos filhos, se tratou de um adiantamento de herança, é óbvio dizer que no falecimento do pai, esse adiantamento terá que voltar à herança, acaso a doação a um dos filhos tenha sido em maior valor à do outro.


Por isso, será preciso a colação, ou seja, o retorno à herança de, por exemplo, dado imóvel de valor maior, doado a determinado filho em detrimento da doação feita aos demais, de menor valor.


Isso porque, repita-se, é preciso proteger a legítima – a tal metade líquida ideal do patrimônio a que todos os herdeiros necessários tem direito, tais como ascendentes, descendentes e cônjuge -, que, após o falecimento do pai, deve sempre ser igualada, sem distinções entre um e outro.


Assim, e em resumo: é possível ao pai realizar a partilha de bens em vida aos filhos?


Sim, é possível!


Mas essa possibilidade só é aplicável quando o pai, possuindo herdeiros necessários - que são os descendentes (filhos), ascendentes (pais) e cônjuge -, ainda vivo, e na forma de ADIANTAMENTO DE HERANÇA, faz a partilha entre os filhos de apenas METADE dos bens que possui.


Já que, por lei, a outra metade, também reservada aos herdeiros, é a chamada LEGÍTIMA, que é indisponível e intocável.


Se a partilha de apenas metade da legítima – e que, na prática, trata-se de uma doação colacionável e de um adiantamento de herança -, se der em maior valor a um dos filhos, ao falecimento do pai, esse filho que foi melhor agraciado deverá devolver o bem.


E essa devolução deverá ocorrer para que o valor da legítima fique igualado entre todos. Caso em que será descontado desse filho agraciado o excesso de valor, para que seu quinhão hereditário seja igual ao dos demais irmãos.


Por fim, e ainda no resumo, pergunta-se: e se o pai falecer?


Se o pai falecer, os filhos, e herdeiros necessários a quem foi realizada a partilha em vida dos bens através de doação e adiantamento da legítima, caberá invariavelmente realizar o Inventário e Partilha. Isso porque, não há outro meio formal para se herdar alguma coisa, a não ser realizando o Inventário em Partilha, Judicial ou Extrajudicial.


Tá certo?


Até a próxima!